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Democracia corintiana - A utopia em jogo

Sócrates & Ricardo Gozzi
Livres: Deportes

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19,90 € TTC

Fiche technique Livres

Éditorial Boitempo Editorial
Style Deportes
Année d'origine Édition 2002

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184 páginas (14 x 21 cm) (Peso: 267 g)

"Em 1982, após dezoito anos de ditadura e décadas de mandonismo nos esportes, o Parque São Jorge respirou ares de liberdade. Uma experiência liderada por Sócrates, diversos outros jogadores e a diretoria do clube tornou-se a grande novidade futebolística do ano - a Democracia Corintiana. Neste livro, escrito a quatro mãos, Sócrates e Ricardo Gozzi contam em detalhes essa história, com uma linguagem que mais parece um animado bate-bola."

"Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira (Belém, Pará, 1954 - São Paulo, 2011) não era nome de jogador de futebol. Nem tipo físico ele tinha: era alto, desengonçado, magro demais para um esporte tão viril. Além do quê era boêmio, mulherengo, bebia, fumava e freqüentava todas as rodas de samba de São Paulo. Não lia o caderno de esporte dos jornais; preferia o de política. Era estudante de Medicina, filiado ao PT (que acabara de ser fundado) e não gostava de treinos e concentrações. Talvez por isso, deu um toque filosófico ao nosso futebol, como diz a canção de Zé Miguel Wisnick, feita em sua homenagem. Para compensar a falta de preparo físico, só tocava a bola de primeira. Assim, chegou à Seleção Brasileira, como capitão do time. Teve participações brilhantes em duas Copas do Mundo, 1982 e 1986. Tinha uma visão de jogo acima da média, dificilmente errava um passe. Um dia, jogando contra um time da Polícia Militar, cobrou um pênalti com o calcanhar. E fez o gol. Era um gênio.
Sua maior contribuição para a história do futebol brasileiro, porém, não diz respeito apenas ao que ele fez dentro de campo, mas também ao que incitou fora dele. Como se o destino lhe reservasse um futuro que fizesse jus ao nome, Sócrates tornou-se o maior pensador do futebol brasileiro, ao liderar o movimento conhecido como Democracia Corintiana, que mudaria para sempre a história do clube paulistano e própria história de vida de cada um dos jogadores envolvidos.

Se o leitor tem menos de 25 anos, talvez tenha apenas uma vaga lembrança do que representou aquele movimento. Fizeram-no uma geração de craques que não se limitou apenas a jogar bola, mas que pensou o futebol além das quatro linhas do gramado. Com “Doutor” Sócrates (um meia-direita boêmio), Wladimir (um lateral-esquerdo comunista) e Casagrande (um centroavante que gostava de rock, maconha e teatro), o futebol extrapolou os limites esportivos e assumiu aspectos políticos, sociais e culturais.

Para os que não lembram (ou preferem não lembrar), a Democracia Corintiana foi a aplicação, no futebol, de uma espécie de autogestão, que resultou nos títulos paulistas de 1982 e 1983 para o Corínthians. Depois de forte pressão política exercida pelos atletas – que culminou na queda do presidente Vicente Matheus, folclórico “ditador” corintiano –, jogadores, comissão técnica e diretoria passaram a decidir, no voto, tudo o que fosse de interesse para o clube: contratações, demissões, escalação da equipe, data e local de concentração e outras coisas que, antes, cabiam somente aos cartolas. Tudo era resolvido no voto. E os votos tinham o mesmo peso: do goleiro reserva ao presidente do clube. Era mais ou menos como se os operários de uma multinacional começassem a opinar e a decidir sobre os rumos da empresa.

Para o sociólogo Emir Sader, a Democracia Corintiana foi o prelúdio de uma experiência democrática que até hoje o Brasil nunca exerceu plenamente: “Essa experiência aconteceu surpreendentemente e prematuramente no Corínthians, o time de futebol mais popular do Brasil. Quando ninguém no país podia votar, os jogadores daquele grupo conquistaram o direito de decidir sobre seus rumos”.

Nessa época, o Corínthians é o primeiro clube brasileiro a usar a camisa do time com fins publicitários. O publicitário Washington Olivetto, criador do termo “Democracia Corintiana”, deu a dica e, ao invés de logotipos de empresas, o time passou a entrar em campo estampando frases de cunho político nas costas: “Democracia Já”, “Quero votar para Presidente” e outras palavras de ordem causaram constrangimento e preocupação na cúpula militar que governava o país. No auge do movimento, o brigadeiro Jerônimo Bastos, presidente do Conselho Nacional de Desportos (CND), chamou o presidente do clube e avisou: “Vocês não podem mais usar esse espaço para fins políticos; caso continuem, vamos engrossar o caldo, vamos intervir no clube”.

Vinte anos depois, a Democracia Corintiana é tema de tese de doutorado e ganha seu primeiro registro literário: Democracia Corintiana – A Utopia em Jogo (Editora Boitempo, 184 pág, R$ 26). Escrito a quatro mãos, pelo jornalista Ricardo Gozzi e por Sócrates, o livro recupera as memórias do Corínthians democrático e analisa o contexto histórico do movimento.
É justamente nesse clima de abertura que Sócrates, Casagrande, Wladimir e outros menos lembrados, como Zenon, Biro-Biro (rotulado, injustamente, como reacionário e contrário ao movimento) e Luís Fernando, além do diretor de futebol Adilson Monteiro Alves (que era sociólogo) radicalizam dentro do Corínthians, num levante que ganhou adesão popular e chegou a promover o lateral-direito Zé Maria à técnico do time, em 1983. Diante deste fato, inédito no esporte mundial, o Jornal da Tarde estampou a manchete: “Os jogadores chegam ao poder”, reconhecendo a autoridade da Democracia (...)

A Democracia começa a morrer quando Sócrates deixa o Corínthians para jogar na Fiorentina, na Itália. Sua ida, porém, não atende à interesses financeiros ou pessoais. Um mês antes de a emenda das eleições diretas para presidente ser votada na Câmara, o jogador corintiano, no palanque dos artistas, intelectuais e políticos que pediam “Diretas Já”, declara publicamente que, se a emenda não fosse aprovada pelo Congresso Nacional, ele deixaria o Brasil.

Em 1984, a emenda é reprovada, o brasileiro continua proibido de eleger seus principal mandatário, e Sócrates deixa o Brasil, cumprindo a promessa. Sem sua maior liderança, a Democracia fica enfraquecida. Mesmo com os esforços dos companheiros incumbidos de levar adiante o sonho da Democracia, a utopia corintiana chega ao fim. A venda do rebelde Casagrande para o rival São Paulo representa o segundo grande baque para o movimento e a sua derrocada (...)

O livro de Gozzi e Sócrates faz uma revelação surpreendente: durante a Democracia, todas as dívidas do clube foram pagas e ainda foram deixados US$ 3 milhões em caixa. Dois anos depois, já sob a diretoria conservadora, o Corínthians estava financeiramente quebrado e sem os seus principais craques, vendidos para quitar dívidas. Antes que 1985 chegasse ao fim, o Corínthians voltava a ser um time como todos os outros.
Porém, aos que acham que a experiência fracassou, os atletas que dela participaram mandam seus recados. Em jornais da época, é possível encontrar entrevistas significativas com jogadores cujas personalidades foram profundamente influenciadas pela Democracia. Pequenas frases, recolhidas em depoimentos de Sócrates, Wladimir, Casagrande, Biro-Biro, Juninho e outros, denotam a grande contribuição histórica do movimento (...)

No último capítulo do livro, Sócrates, finaliza, ressaltando as conquistas irreversíveis da Democracia: “Conseguimos provar ao público que qualquer sociedade pode e deve ser igualitária. Que podemos abrir mão dos nosso poderes e privilégios em prol do bem comum. Que devemos estimular a que todos se reconheçam e que possam participar ativamente dos desígnios de suas vidas. Que a opressão não é imbatível. Que a união é fundamental para ultrapassar obstáculos indigestos. Que uma comunidade só frutifica se respeitar a vontade da maioria de seus integrantes. Que é possivel se dar as mãos”.
Democracia Corintiana – A Utopia em Jogo, é um livro importante para que todos os amantes do futebol possam reavaliar os rumos tomados pelo esporte bretão." Bruno Ribeiro (Consciência.net, 20.01.2004)